Em entrevista já aos 80 anos, Ferreira Gullar justificava sua trajetória como intelectual engajado entre as artes plásticas, poesia e crítica com a máxima: a arte só existe porque a vida não basta.
Há infinitos jeitos de se contar uma história. Seja ela com palavras, sons ou imagens. O advento da escrita ajudou a preservar a tradição oral. A oralidade foi o pontapé de escritoras como Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus e o audiovisual promoveu uma visibilidade transformadora à literatura.
É muito subjetivo como cada um irá entender e identificar-se com os formatos. No entanto, cada um dos canais possui suas características próprias, e irão contribuir de forma específica para o enredo. Por isso, essa multiplicidade é tão rica e importante.
Em 2018, Hilda Hilst ganhou finalmente o protagonismo que sempre mereceu. Foi tema do programa oficial da Flip – a Festa Literária Internacional de Paraty. A obra da autora ganhou novas edições e compilações em “volumes que param em pé”, como ela mesmo sonhava; foi musicada e apresentada no palco na voz de Zeca Baleiro e ganhou o cinema somando espectadores até no velho continente.

Foi pelas mãos de Eduardo Nunes que as novelas “O unicórnio” e “Matamoros” uniram-se em um mesmo plano para apresentar os principais temas abordados pela autora. Do encontrou nasceu Unicórnio, longa selecionado para o Festival de Berlim que entrelaça a metafísica, a sexualidade, o envelhecimento, a existência do divino e a natureza em interpretação livre do diretor.
Nunes deixou as palavras para Hilda e em sua história abusou das imagens em formato panorâmico deslumbrante. Há poucos diálogos e muitas sequências no campo. Mas os olhares e silêncios falam exclusivamente aos amantes de Hilda, que conhecem profundamente suas dores e fantasmas.
Assim como nos livros, não há respostas prontas. O filme é fidedigno ao trabalhar com o imaginário do espectador e o inesperado, deixando o suspense como fio condutor das sequências.
Unicórnio faz parte do projeto Sessão Vitrine Petrobras, com ingressos a até R$12 nos cinemas parceiros. Além de singular, o longa foi apresentado ao público de forma acessível. Porém tanto as adaptações quantos os livros não terão digestão fácil e tranquila. São exigentes e confirmam a conclusão de Ferreira Gullar – com um casamento perfeito da literatura com as artes visuais.


Natalia Figueiredo (Rio de Janeiro, Brasil). Jornalista formada pela UFRRJ e com especialização em vídeo pela Columbia University. Foi repórter do Jornal O Dia, desenvolvendo reportagens especiais sobre a cultura e história do Rio de Janeiro. Trabalhou na Revista Petrobras e desenvolveu a nova revista da S.C. Johnson Brasil. Atualmente, é responsável pelo blog literário da Estante Virtual, fazendo o que mais gosta imersa no universo dos livros.

Publicado por:Philos

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