como dizer agora
aquilo que o corpo dizia
antes
quando tínhamos uma fagulha
uma centelha
a vermelhidão na face
desvelando a mentira
o escrúpulo desvendando o olhar
como dizer agora
o que dizia o corpo
se a ausência já é a matéria
da nossa comunicação
desmascarada
:
câmeras desligadas & silenciadas
eu queria saber da tua cara
ver ela viva na minha frente sendo estranha
sendo incrível
queria poder não ser um led
um pixel
um pincel eletrônico
uma pista virtual com danças cafonas
escancarada para o nada
ou para o ego
eu prefiro o espelho
a fingir que escuto a sua fala
mas eu to lavando louça
cortando a unha do mindinho
eu to comprando on-line ship to my house
você pode subir até aqui?
não sei, tá travado
em que parte você parou de escutar?
minha conexão tá horrível hoje
em que parte você parou?
liga não eu vou cortar só uns legumes
enquanto a gente fala
cadê teu corpo me contando aquilo que você não conta?
cadê a conta do nosso encontro o teatro cadê o contágio?
eu queria ver sua sobrancelha arqueada revelando um
nojo ou um medo
mas eu vejo uma foto talvez de 2 anos atrás
que está na sua conta de gmail
aqui nesse meet
aqui nesse minto aflito sem filtro ou com fita na câmera
pq você sabe que o Google vê tudo
você sabe q eu te conheço né
já que somos amigos no Facebook
você sabe que eu não presto atenção em nada
que eu tenho uma depressão fudida
você sabe que meu corpo existe
y que ele é quente e que ele pulsa e que ele pisca
mas agora é ausência de toque
me disca me liga faz uma live comigo
se for possível faz um love também
eu queria dizer agora o
que o corpo diria
se ele não tivesse virado apenas uma
cabeça vidrada nessa retina mac book
opa travou
você tá vendo meu compartilhamento?
não.
em que parte você parou de escutar?
sou só eu aqui
do lado de cá


João Innecco (1993) é poeta e educador em prisões. É editor da Antologia Trans (2017), organizador dos livros Sarau Asas Abertas: Penitenciária Feminina da Capital (2019) e O Silêncio do Trem (2019), autor das publicações artesanais Fumaça (2017), Tinto (2018), Solo (2019) e Baby (2019). Participa de diversas antologias e revistas, como Tente Entender o Que Tento Dizer: poesia + hiv/aids (2018), Veia e Ventania (2018), A Resistência dos Vaga-lumes (2019), Revista Lavoura, Revista Philos e Revista Ruído Manifesto.

A obra que acompanha o poema é do nosso residente Casa Philos, Joy Kim, nascido em 1991 na Coréia do Sul. Asura fez parte de sua exposição inaugural em Nova Iorque e também estampa o catálogo da Philos do Finart 2018.

Publicado por:Philos

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