Sol
lá- si
o silício é o segundo elemento químico mais abundante na crosta terrestre, atrás apenas do oxigênio.
no entanto, ele nunca é encontrado naturalmente de forma isolada, ele está sempre combinado com algum outro elemento
há
nesse martírio
uma rés ausência
de teus sonoros
recintos
onde se ouvia
o barulho das águas
onde borbulhava
o resvalar dos peixes
há, ainda
na substância das máquinas
que não dormem
um ruído submerso
em lágrimas
silenciadas
agora, neste ponto
não há nada a fazer
é cedo demais para o amanhã
tarde demais para ontem
eu sou um poste aceso
em uma rua escura
deserta
afogado em mariposas bêbadas
do outro lado da cidade
eu também vejo a sua luz
nós: os faróis do futuro
quanta prepotência!
desvirtuamos a Bauhaus
e construímos cidades modernas
de anarco expressionistas
a funcionalistas expressos
[que dura queda!]
sambamos na cara da sociedade
e agora estamos aqui
desvendando o vazio
acreditando no silêncio
despencando
em um Vale
com quinhentas startups
resetadas
fazendo cerimônias
em volta da mesa
para que
espiguetas
ainda doem
o trigo
para que ainda se amasse
o pão com os dentes
para que a chuva
não morra
eles também erraram muito
ouso dizer que eles erraram mais
metralhadoras multiplicadas
milhões de tiros no pé
alguns ainda rastejam
em campos minados
a nossa luta sempre foi o amor, eu sei
ainda que infame
mas agora, neste ponto
já nem sabemos quem são eles
já não sabemos quem somos nós
talvez porque nunca houve
diferença alguma
apenas faces
de uma mesma moeda
apenas
espelhos invertidos
distorcidos reflexos
e agora, neste ponto
só o que importa
é resgatar
a natureza do silício
só o que temos é
o apesar disso tudo
só o que temos é
o apesar de
ouvi um galo nesta madrugada
ele cantava em si-bemol
Talita Feuser está poeta, atriz, advogada, dramaturga e vídeo-artista, mas é o que é: substância ondular. Veio a esse planeta em junho de 1986, em Paranavaí, no Paraná, quando o sol estava no signo de gêmeos, atualmente mora lá na casa do Catete, Rio de janeiro, Brasil. Seu primeiro livro – Cenário Implícito, está no prelo pela Urutau. Esse é um poema para o fim do mundo.
A ilustração que acompanha o poema de Talita, é da nossa colaboradora italiana, Daniela Spoto. Leia também a entrevista “A literatura e as artes não nos dão respostas, apenas nos impõem perguntas“, com a artista.