Eu lego aos meus amigos
Um azul cerúleo para voar alto.
Um azul cobalto para a felicidade.
Um azul ultramarino para estimular o espírito.
[…]
in Testamento, Maria Helena Vieira da Silva
Descemos o caminho estreito, de terra, sós, o silêncio quebrado pelo estalar das folhas secas ou pelo resvalar das pedras do chão. O vento traz o canto dos pássaros e a sombra é castanha, ocre, verde e dourada.
No fim do caminho abre-se repentinamente em esplendor a albufeira da barragem. As minúsculas ondas embalando os nossos passos… De baixo para cima o mundo perde a sua dimensão terrena, telúrica, e abre-se imenso num azul que invade os nossos pulmões e nos remete ao silêncio: água e céu, e isso é tudo! Passamos da terra que cobre as mãos e cheira a húmus e a musgo para uma cor fugidia, que não tem superfície real, só se deixa reter pelo olhar. Quando nos aproximamos dela, desaparece em transparência, ou então está demasiado longe para se deixar tocar.
De onde vem esta certa obsessão pelo azul? Que faz os nossos corpos se expandirem para lá dos seus limites. Fechamos os olhos e olhamos para dentro, e tudo é azul!
Como as águas do rio engoliram pontes, terras, moinhos, também nós sentimos uma compulsão para submeter as nossas imagens ao monocromo azul. Imprimimos sobre folhas de papel: pedras, árvores, folhas, troncos… mas conferimos-lhes a qualidade fugaz do azul da água, da transcendência do céu.
O azul aparece ironicamente (poeticamente?) quando a imagem impressa é mergulhada na água. O papel fica mole e move-se submerso como uma alga para depois emergir em todo o seu frio esplendor.
Gostamos dessa operação de submeter todas as coisas a esse objetivo último – fixando afinal o imaterial azul na superfície, dando-lhe a qualidade tangível das coisas representadas, mas atribuindo-lhe simultaneamente algo de etéreo, fugidio ou infinito.
2 comentários sobre “Uma certa obsessão pelo azul, por Magda Fernandes & José Domingos”