À medida que o tempo batia “tic-tac” no relógio moldurado, intrínseca e perplexa ficava Marieta ao ver a mãe procrastinando serenamente o almoço. Devido às pencas de roupas sujas do odorante carvão, proveniente da queima de cana. Joaquim o amasio e “paidrasto” de Marieta ganhava a vida no surrado serviço de bóia-fria. Tratava das duas mulheres da casa como suas irmãs mais novas. Mesmo não sendo pai verdadeiro da moça, fazia de tudo para serem bons amigos. E Deu certo. A fome de Marieta não era o às de sua preocupação. Tinha um livro novo de literatura que a professora, Dona Arménia a indicou no final da aula. Estava agitada com medo que alguém o emprestasse primeiro. Mas a mãe repudiava a ideia de sua filha desmaiar de fraqueza por ai. E não a deixava sair enquanto não ingerisse pelo menos alguns bocados. Apesar do poder monetário baixo que envolvia aquela casa, onde quando comprava uma torneira nova e quebrava-se o chuveiro ou quando o reajuste anual do salário tornava nos olhos retumbantes de Joaquim um alento invisível ao brinde da inflação, Lourdes e Joca acreditavam no futuro promissor de Marieta como um devoto na ressurreição dos santos. Os sinais estavam nas notas altas na escola e o destaque de sua aplicação em meio aqueles alunos que mais enforcavam aula (e quase os professores também). E ela tinha total consciência de tudo que passara sobre indisciplina na sala. Colocou diversas vezes no lugar da Dona Arménia, que passava nervoso quando um aluno falava junto ou quando do nada saia uma briga entre as meninas por causa de “namoradinhos” e quando ninguém queria copiar a matéria passada. Após a refeição, pega rapidamente a sua bolsa e esvai porta afora numa tarde ensolarada. Estava diferente naquele dia. Dera permissão ao sol para tostar a sua pele. Permitiu aos ventos desgrenhar os seus crespos cabelos. Queria ser ao contrário do que o livro de história geral contava sobre as escravidões e as classes dominantes: “Sou livre… Continuarei sendo.” Disse pra si mesma olhando em volta pra ver se alguém escutou. Era o poder das palavras que conseguia formar uma poesia na aula de literatura que deixou todos boquiabertos. Marieta chega finalmente na biblioteca. Na entrada perguntou para a jovem bibliotecária sobre o tal livro que lhe interessava. Então é indicada qual prateleira onde o volume estava. Com os dedos começa a procurar pelas variadas lombadas de nomes e autores diversos. Quanto mais se adentrava entre as prateleiras mais ficava fascinada com tudo que via. Mergulhava sem medo no mar de títulos e cores quando na mesma hora outra mão em contrapartida pegara o mesmo livro. Eram mãos finas e brancas. Marieta foi olhando devagar ao longo daquele delgado braço e uma face simpática com grandes olhos verdes e cabelos castanhos.
– Pode ficar com ele… – Disse a moça. As duas ficaram meio sem jeito com toda a situação.
Ambas diziam até que não precisava do livro e que podia levar. Engraçado como o mesmo livro as trouxe na prateleira. Para quebrar aquele clima estranho no meio de tudo, a moça estendeu a sua mão e se apresentou deixando Marieta surpresa com a atitude; no entanto fizera o mesmo. Ana tinha 25 anos e era professora recém-formada. Os bons modos ao conversar mantinham todo o tom cultural e magnífico. Sabia dar o ponto de partida em um assunto. Aparentava ser bem-aventurada e de espírito livre. Falava de poesias e de dificuldades ao mesmo tempo. Era mágico e liricamente bom ouvir aquelas coisas. E estava em frente a alguém que o usava com perfeição. Então não pensou duas vezes percebeu que encontrava uma conterrânea do seu pensar. Contou lhe a Ana que tinha muita vontade de viver da arte das palavras. Mas tinha um obstáculo que talvez não fosse ajudar; a condição monetária. Terminando o último ano do colegial não sabia se continuarias estudando ou ajudaria sua família no sustento. A realidade era muito viva e pungente em sua vida. Estava em um momento de inquietantes duvidas. Dos constantes “serás”. Da Janela via que o céu escurecia fazendo careta feia. Os ventos entraram bruscamente pelas brechas e folheou bruscamente livros e jornais dos leitores de uma só vez. As bibliotecárias corriam para encostar e resguardar todas as cortinas para a chuva não molhar. Ana e Marieta adoraram a ocasião quando o ambiente refrescou com a mudança do tempo e dai poderiam conversar mais até que a chuva parasse. Os dedos das mãos da garota faziam movimento de trocadilhos entre eles. Estava tensa e muito satisfeita também. A atenção de Ana doada deixava uma ânsia infinita para falar o que sentia. Raramente esteve com pessoas assim. Ou talvez nunca.. Então, a garota voltou seu olhar para o chão deixando as suas madeixas a frente dos olhos e fez uma reflexão. Uma pausa aconteceu ali._ entrava em seu mundo particular que na verdade já não era mais após conhecer Ana. Ela entendia tudo aquilo que estava fazendo e sentindo: “O que move os seres humanos a vontade de ser feliz de exprimir bons sentimentos ao próximo ou a condição favorável para consumir e comprar certas necessidades?” Ambas já se perguntaram nas fases de sua vida em que ponto o dinheiro chegar a superar a felicidade. Como se lantejoulas fossem a beleza principal de um carnaval ao invés dos foliões. Como se alguém, após comprar o céu fosse dono da chuva e tivesse o controle sobre ela.
Paloma Saints (São Paulo, 1990). Poetisa, contista e desenhista autora do site de poesias Paloma Saints – De Versos pro Ar.
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