Tinha aquela mesa de metal, coberta por uma toalha branca manchada de carne, com quatro cadeiras de plástico. Tinha aquele ventilador barulhento soprando ar quente por toda a sala. Tinha aquela televisão de tubo que por vezes desligava sozinha e só voltava a ligar com um tapa. Tinha aquele rádio-relógio que sintonizava apenas AM. Tinha aquela poltrona para três pessoas com o couro dos braços rasgado. Tinha aquela foto do Djavan com uma dedicatória quase apagada pela infiltração da parede da casa ao lado. Tinha aquele recorte de um poema meu publicado no jornal, colado na porta de vidro da cozinha. Tinha aquela geladeira pequena que eu comprei por uma barganha de um traficante do meu antigo bairro. Tinha aquele fogão de mesa com apenas duas bocas e que só podia ser aceso com uma chave inglesa. Tinha aquela cama que ganhei naquela festa da igreja e que fora de um padre que acabara de morrer. Tinha aquela caixa grande de bolacha que usávamos como guarda-roupa. Tinha aquelas cuecas de elástico frouxo, aquelas calcinhas desbotadas, aquelas camisas que ganhei do meu pai, aqueles vestidos que você ganhou da sua mãe, aquelas calças, aquelas saias, aquele meu par de sapatos marrom, aquela tua alpercata que fazia barulho quando andava, aquela corrente de Nossa Senhora e aquele brinco de ouro falso. Tinha você, linda, de cabelos soltos, com a sua pele negra refletindo a luz da lâmpada de quarenta volts, enquanto sentada no meu colo conduzia a nossa dança disfarçada de transa. Tinha eu, balbuciando teu nome, encantado com o brilho da tua pele, hipnotizado pelo balançar dos teus seios, e pensando que, naquele momento, não tinha no mundo homem mais rico e feliz que eu.
Francisco Carvalho (Maceió, 1988). Poeta e contista, é também professor de história, graduando-se pela Universidade Federal de Alagoas.
Um comentário sobre ldquo;Tinha, por Francisco Carvalho”