Mais uma vez derrubei meu celular ao chão, deixando-o cair assim, quase que num propósito maléfico. Espatifou-se, desfazendo-se em três partes: fronte, traseira e bateria. As duas primeiras encontrei e juntei quase que instantaneamente. A última fugiu-me da fácil vista. Já preguiçoso, como quem acorda por ainda querer dormir, logo pensei em recorrer a São Longuinho. Mas tive também preguiça dos pulos. Cogitei burlar as regras, fazendo o pedido para, ao encontrar a bateria, escusar-me de pagar a prenda. Eis que a insana consciência me disse para não fazê-lo, essa mesma consciência que descrê de tais absurdos ritos (é ela, ela é quem me perturba!). Nem um, nem outro. Lá continuei adiando o esforço, num quase contentamento por exilar-me em mim mesmo, incomunicável e mudo. Desatei a rir de tão sombrio pensamento – e burro, por assim dizer. E, rindo de tristeza, não resisti à busca. Dei-me erguendo cama, caixas, sapatos, objetos, livros obsoletos, lembranças esquecidas, palavras não ditas, atitudes desconsideradas… e nada da bateria. “Sumiu”, pensei satisfeito com todo o esforço do qual tal conclusão me pouparia. Mas nada some. Tudo some. Nada some. Tudo some. Nada some! Tudo some! Nada some! Tudo some! A semântica é tão cômica!
A falta da dinâmica interpessoal direta e da fonética em uso do texto escrito me obriga a esclarecer um pensamento tão tolo que quase considero desnecessário fazê-lo. A você que ainda está a ler, reconheço o teste de paciência que lhe projeto. E para menos chateá-lo, permito-lhe saber que não é mesmo válida a leitura. Encontre algo mais interessante para fazer!
Mas se cá permanece, agradeço-lhe a consideração.
Consideremos, enfim, desnecessário o pensamento e seu esclarecimento. É apenas um concretismo discursivo, d’uma concepção linguística sem propósito algum.
…
Ah, claro! O grande evento: A bateria desaparecida. … Não lhe disse? Sumiu. Simplesmente sumiu, somando-se a todas as coisas já um dia sumidas nesta soma. Háá, que sacada! Viu? Explicar por não explicar, conjugando os mesmos verbos para dizer-se “nas entrelinhas”!? E essa poética, hãn? O que dizer?…
Não me diga, por favor!… A vida é apenas uma sátira de nós mesmos.
Encontrei a bateria, depois de quase desistir de encontrá-la. Remontei o celular, cada vez mais danificado.
Acho que devo comprar outro celular.
David Edson de Camargo Junior (Votorantim, 1989). Professor e escritor.
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