A cultura de afeto entre fãs e celebridades tem se tornado cada vez mais forte e, com isso, também aumentam os questionamentos em relação aos motivos de um indivíduo “comum” criar carinho por um ídolo que muitas vezes nem irá conhecer. Muitas são as hipóteses; aquelas que acredito serem mais adequadas falam sobre questões de identificação e representatividade; afinal, em tempos de um tímido avanço progressista, se torna cada vez mais importante se sentir representado na indústria cultural. Percebendo então que a classe LGBT tende a dar mais atenção para cantoras do gênero pop, e que as mesmas são aclamadas como grandes divas, iremos pensar um pouco sobre a relação histórica desse grupo social com as chamadas “Divas pop”, e como esse conceito se transformou à medida que novas celebridades foram nascendo.
Claro que é sempre arriscado trabalhar com generalizações, mas, nesse caso, é tão perceptível que os LGBTs são maioria nas comunidades de fãs desse gênero musical, que posso seguramente dizer que o assunto “divas pop” se tornou comum em rodas de conversa da maioria deles. Ao ponto que é costumeira, em alguns círculos sociais, a pergunta “qual é a sua diva?”, se referindo à cantora favorita da pessoa nova que adentra o grupo. E mesmo aqueles que não admiram nenhuma artista específica do ramo, ou nem gostam da sonoridade, sabem quem elas são e de que se tratam as polêmicas e acontecimentos desse universo. Obviamente não estou dizendo que são apenas esses indivíduos fora do padrão heteronormativo que as admiram; existem jovens e adultos de todas as orientações sexuais que as seguem, mas tentaremos buscar de onde vem essa proximidade tão grande com os antigos “GLS”. Outra boa questão seria: O que cada uma dessas divas apresenta para que existam pessoas aparentemente tão distintas apaixonadas pelo mesmo ícone?
Vamos começar pelo conceito de “diva pop”. O termo “diva” vem do latim divus (deusa) e era utilizado no passado para se referir à principal cantora de uma ópera. Hoje em dia, esse conceito não se prende apenas a essas cantoras, e é utilizado para se referir às mulheres mais famosas do meio artístico, tanto no cinema quanto na música. Com o passar do tempo, a junção do termo à palavra “pop” passou a representar cantoras de grande êxito na indústria, com estilos marcantes, personalidades fortes, e que, acima de tudo, se apresentavam com shows espetaculares e grandiosos, indo muito além de apenas voz.
Antes mesmo desse gênero musical se consolidar, já observamos grandes divas nascendo em outros campos da música; algumas podemos considerar como as antecessoras das divas pop. Tais como Bilie Holiday e Ella Fitzgerald no Jazz, durante a década de 30; Maria Callas, considerada a maior celebridade de ópera do século XX; Aretha Franklin, a eterna rainha do Soul; e Tina Turner, uma das maiores lendas do Rock, na década de 50. Para então, nos anos 60, observarmos a “Deusa do pop” ascender, Cher. Ela começou sua carreira junto de seu marido da época, como uma estrela do rock e, após seu divórcio, em 1974, começou a se arriscar em novos estilos. Ouso dizer que, junto de Donna Summer, ela é uma das mais influentes artistas que participaram da construção da música pop, enquanto sonoridade, durante os anos 70 e início dos anos 80. Afinal, em 1984, a rainha do pop tomaria o mundo com o single “Like a Virgin”.
Estamos falando de Madonna (também conhecida como Rainha do pop ou Madge), que guiou o início do gênero pop, ao lado de Michael Jackson, e trouxe não apenas características sonoras para o gênero, mas também a excentricidade, a polêmica, a força e o espetáculo para os olhos. Não que Cher não fosse extravagante ou trouxesse peculiaridades excêntricas; seu estilo e voz inusitados davam conta disso tudo, mas Madonna foi decisiva ao nascer dentro desse ritmo e tentar quebrar diversos tabus conservadores dos Estados Unidos já no início de sua caminhada artística, coisa que também se tornou sinônimo das divas pop do futuro. O restante de sua carreira foi pautado em cima de assuntos considerados polêmicos como feminismo, sexo, homossexualidade e a crítica ao estilo de vida estadunidense.
Paralelamente, na década de 80, observava-se nos Estados Unidos uma onda de preconceito e desconhecimento sobre o HIV, que afetou diretamente a comunidade gay. A Aids era vista como um “câncer gay” e a classe foi estereotipada como a grande culpada pela propagação da doença, algo que perdura até hoje, mesmo após ser descoberto que homens e mulheres heterossexuais também eram atingidos pelo vírus. A rainha do pop, em meio ao seu estrondoso sucesso, foi uma das celebridades mais ativistas contra o preconceito em relação aos LGBTs da época. Um marco importante foi o ano de 1990, onde Madonna trouxe o vogue para o mainstream artístico, que era até então um estilo de dança marginalizado e próprio da cena negra e gay, com o intuito de dar destaque para a classe e provocar insistentes discussões sobre homofobia. A união da caminhada que a levou a ser a mulher mais bem-sucedida da história na indústria fonográfica e suas atividades políticas, não só de “falar sobre”, mas também de dar visibilidade, fez de Madonna a primeira grande diva pop e ícone gay aos moldes que conhecemos nesta década. Com isso, essa foi a referência, tanto dos fãs quanto das próximas artistas que se sucederam, de modelo a seguir nesse ramo da indústria.
E assim foi. Depois disso, muitas outras grandes cantoras, que se aproximavam do perfil da Madge, surgiram. E é possível dizer que todas atingiram o sucesso mundial com suas características específicas, mas com o “padrão” de sempre serem desafiadoras, quebradoras de tabus e, acima de tudo, apresentarem grandes performances. Alguns exemplos são: Britney Spears, que foi a garota jovem, “o sonho americano”, que não teve medo de falar sobre a liberdade sexual da mulher e nem de beijar Madonna, ao vivo, em uma das maiores premiações da música mundial; Katy Perry, que explodiu no mundo inteiro cantando “eu beijei uma garota e gostei”, mesmo, curiosamente, tendo sido criada em meio ao conservadorismo; e Lady Gaga, que fez de “Born This Away” um hino de aceitação para a comunidade LGBT no ano de 2011, e se tornou a artista que, de fato, mostrou a todos que ser “estranho” não é errado.
A ligação entre essas pessoas que fogem do padrão heteronormativo e as grandes cantoras de sucesso que acabaram de surgir foram efetivadas pelo seu impacto cultural e um sentimento de representatividade. Afinal é impossível negar o quão impactante foi, para a camada conservadora estadunidense, uma filha de pastores assumir ter tido experiências lésbicas, e gostado. Quem dirá então de três dessas gigantescas popstars se beijando publicamente durante uma apresentação no Video Music Awards norte-americano. Tudo isso reforçou o caráter de diva pop, que nasceu junto com Madonna, e estreitou as relações com um público gay que já estava com olhos abertos para esse estilo musical.
No entanto, tenho pensado que estamos passando por uma espécie de remodelação do que seria uma “diva pop”. Tornar-se alguém admirado pela classe LGBT não significa mais impactar e quebrar com os famosos valores tradicionais e os bons costumes. Não se espera mais de uma diva pop que ela seja necessariamente um ícone gay ã “moda antiga”. Hoje em dia, temos cantoras como Taylor Swift e Adele, incluídas nas fúteis brigas por divas pop, que, por mais que tenham muitos fãs não-héteros, também não se fazem tão ativas em lutas minoritárias, como já fez Madonna ou Gaga. A explicação talvez se encontre na fala de uma professora de inglês da Universidade da Pensilvânia, chamada Heather Love, que estuda relações de gênero e teoria queer. Ela afirmou que “as mulheres são marginalizadas, por isso gays se identificam com elas” e, nesse sentido, mesmo que artistas pop atuais não sejam tão representativas em suas palavras, para a luta LGBT, elas continuam representando um grupo oprimido ganhando espaço e, por isso, recebem apoio daqueles que também são ignorados pelos padrões da nova sociedade capitalista, por mais que algumas possam ser fruto desse padrão esperado.
Outro fator importante são as novas mídias sociais que, além de alimentar a cultura da rivalidade, também deixam os ídolos “mais próximos” de seus fãs, porque fazem com que os laços de afeto se tornem mais fortes por meio da interação entre os mesmos. O que antes era apenas uma admiração e a busca pela representação, hoje se tornou uma verdadeira conexão de amor e amizade. Não que fosse inexistente nas décadas passadas, mas a questão é que agora os admiradores podem saber todos os dias o que suas divas estão fazendo, por onde estão, com quem estão, quem curtem, quem não curtem, quem seguem, quem não seguem, e muitas outras coisas que antes só eram possíveis saber por meio do jornalismo. Didaticamente, é a situação de um famoso sendo integrante, distante da sua roda de amigos, já que existe afinidade mesmo sem se conhecerem, onde esse indivíduo se torna alguém pelo qual vale a pena buscar a equivalência de gostos e costumes.
Minha hipótese é que o fator “ser representado” continua valendo, no entanto, mais do que nunca; questões extremamente individuais como a própria personalidade e o jeito de agir de cada artista são os definidores de afinidade e maior admiração. Caso não fosse, não estariam tão presentes as brigas entre fãs de cantoras, afloradas nesta década, pela busca da “diva-mor”, mesmo que elas representem a mesma ideia. Essa alimentação da rivalidade feminina na música ficava antes por responsabilidade da mídia sensacionalista.
No entanto, agora, mais do que nunca, é necessário que os fãs da música pop entendam que, embora estejam em grupos imensos de adoração a alguém, irão existir sim aqueles que estarão no lado oposto. Assim as questões de preferência estão diretamente ligadas às experiências e individualidades de cada um; uma nova experiência pode mudar aqueles que estão sendo idolatrados no momento. Porém isso deve acontecer sem que esqueçamos que admirá-las, encorajá-las e apoiá-las, e também ajudar na quebra de padrões socialmente construídos, onde mulheres, negros e negras, LGBTs e pessoas fora do padrão estético e ético, esperado e propagado como “essencial”, finalmente tomem sua voz.
A pergunta que fica é: estaria o conceito de “diva pop” se reformulando para artistas como Mariah Carey, que apresenta um estilo de performance mais parecido com o primeiro conceito de diva, ou simplesmente estaria o gênero pop esperando por mais alguém, na atualidade, tão impactante e polêmico quanto a sua rainha?


Lucas Felipe da Silva (Foz do Iguaçu, 1997). Estudante de Comunicação Social – Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), redator e colunista em Portal Famosos Brasil.

Publicado por:Philos

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