O menino se debruça no encosto do banco de trás e estica o pescoço até onde dá. Os pingos de chuva que caem no vidro são toda a distração que tem: a viagem é longa. O pai acende um cigarro no outro o trajeto inteiro as janelas fechadas porque chove aqui dentro fica quieto, menino. A tosse. O rádio AM volume máximo pra compensar o chiado da transmissão falha da partida de futebol da terceira divisão do campeonato estadual. A mãe dorme que até ronca baba. O menino sem sono. O olhar perdido pra fora do carro. Pastos, plantações e matagais em segundo plano fora de foco. Nitidez só no movimento das gotas no vidro. Escolhe uma delas e fixa o olhar. Acompanha seu escorrer até emparelhar com alguma outra, que é quando uma justa corrida começa. A disputa acirrada se dá na arena translúcida a cento e vinte oito quilômetros por hora. Deslizam entre iguais, desviam dos campos de atração de poças maiores e incorporam pingos menores até uma linha de chegada previamente escolhida. O menino tem bom palpite. Aquela em que aposta é sempre favorita. São seis anos de experiência em viagens chuvosas e intermináveis, afinal. Vitórias são corriqueiras e curtidas em silêncio. Mas às vezes uma merece um grito. E nem foi gol do time do pai. E nem foi gol de ninguém. Fica quieto, menino.


Lucas Verzola (São Paulo, Brasil). É autor de São Paulo Depois de Horas (Patuá, 2014), Em Conflito com a Lei (Reformatório, 2016) e A Última Cabra (Reformatório, 2019). É editor e um dos fundadores da Revista Lavoura.

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