Qual o papel da disciplina de Artes Visuais 🎨👀 no currículo escolar brasileiro nos dias de hoje? Muitas respostas perpassam por esse questionamento, mas entre muitas reflexões, devemos entender o(a) professor(a) 🏫👩🏫🧑 como um curador do currículo e do conhecimento 🧠, uma vez que esse seleciona o conteúdo a ser apresentado e estabelece articulações considerando diferentes critérios, tanto a partir de uma base teórica como por meio das demandas da turma. A importância desse profissional para a educação reside no ensinamento 👨🎓🧑🎓 aos estudantes sobre o repertório e a cultura visual, para que tais compreendam as imagens 🖼🖼 de maneira crítica, desenvolvendo suas próprias considerações a respeito. Mais do que gostar 👌 ou não gostar 👎, classificar como bonito 💁💅 ou feio 😳, precisam formular justificativas para não emitir um posicionamento superficial. Faz se urgente a desmistificação da disciplina como mera recreação 🎪 ou produção decorativa 👻🦸🧟🚀, o que não quer dizer o descarte dessas possibilidades, mas a abertura para uma apreciação vinculada à questionamentos. Por isso, torna-se fundamental retomar constantemente a primeira frase do texto.
A internet 🌐 e especificamente os memes são um veículo popular de circulação e comunicação de imagens e ideologias 📞☎📺📰, desse modo, nos perguntamos 🤔🤔🤔: Por que não trabalhar sobre eles em sala de aula? Quais são as possibilidades dessa linguagem? Em que medida contribuem para o ensino-aprendizagem? Se no século passado as charges estampadas nos jornais 📰 foram apropriadas como material didático, com o declínio da mídia impressa na contemporaneidade, coube aos memes ocupar esse cargo. Há uma década observamos o crescimento vertiginoso 📈😮📊😮 desse fenômeno na rede, e consequentemente, um aumento no número de estudos, iniciados por midiólogos e comunicólogos, porém, logo em seguida acolhidos por diversas áreas do conhecimento 📚📖📕. Presentes em nosso cotidiano, apropriam-se de imagens 🖼 e discursos, adequando os a uma estrutura reconhecível por determinados grupos, os quais também são entendidos como “bolhas”. Ele tende a ser universal em razão do alcance por todo o globo 🌎🌍🌏, mas, ao mesmo tempo, transmite mensagens de caráter regionalista. Assim sendo, semelhante a uma obra de arte 🎭, tais nos exigem o reconhecimento dos códigos , visto que ambos solicitam uma alfabetização do olhar 👁. Cada vez que estivermos diante deles, uma nova interpretação será possível, porque acessamos somente o fragmento e não o todo.
Em certa medida, esse tipo de circulação de imagem midiática corresponde a um sucessor das gravuras em metal do século XVI na Europa 🏰, isto é, são múltiplos e plurais na propagação das ideias. Múltiplos em razão de sua capacidade de ser multiplicada a partir de uma matriz, o que equivale ao compartilhar nas redes sociais, dado que a reprodução se dá por meio de um ponto de difusão. No virtual, perde-se a limitação da tiragem, especialmente porque se valoriza o oposto, a cópia infinita, a saturação da visualidade. Plurais, sim, por servir a diferentes finalidades e prezar por um alcance democrático. Em diferentes momentos da História da Arte 🎨👩🏼🎨 percebemos a função prática de um múltiplo, por exemplo, na reprodução de modelos usados no ensino artístico.
Desde a prensa inventada pelo alemão Johannes Gutenberg 📖 em meados do século XV, tornamos cada vez mais dinâmica a lógica da circulação de informações. Se antes as publicações eram manuscritas e demandavam bastante tempo para a produção de somente um exemplar, com tal aparato tecnológico passaram a conseguir um número expressivo de reproduções em um curto período. A título de curiosidade histórica, vale lembrar que a circulação dessas ideias contribuiu para a Reforma Protestante ⛪, movimento cristão do início do século XV que se apropriou da prensa a fim de propagar suas ideias e popularizar os escritos da bíblia 😇📗. Será que essa ligação perdura até a contemporaneidade? Se caminharmos por qualquer bairro do subúrbio do Rio de Janeiro, por exemplo, Campo Grande , encontraremos mais igrejas neopentecostais do que equipamentos culturais 🎪📽️🍿🎡🎠, uma diferença visivelmente desproporcional. A profusão de vertentes dos memes consentiu a dissociação de parte de sua essência – o humor -, restando-lhe a capacidade de viralizar 🦠 conteúdos. É justamente esse aspecto que muitas instituições religiosas têm se apropriado, com a reversão do estado de diversão para aversão, sem o compromisso com a verdade, pois somente lhe interessa a persuasão. Nesse sentido, trabalhos da arte contemporânea têm operado na reapropriação da estética resultante desse processo, uma fatura de teor satírico 😜.
Pensar a respeito do final do século XIX e advento da Arte Moderna na Europa, nos conduz a discussão sobre o papel fundamental das gravuras japonesas (Ukiyo-e) como fonte de inspiração para muitos artistas do período, como Vincent van Gogh e os pintores impressionistas 🌞 – Edgar Degas, Mary Cassatt, Paul Gauguin e muitos outros.
Diferentemente do ocidente, a relação do corte, proporções, negativo e positivo, cores e, composição e perspectiva eram completamente inovadoras aos olhos 👀 ️dos europeus consumidores da porcelana 🏺. Embora herdeiros da ordem e simetria de composição, historicamente acadêmica e renascentista das “tartarugas ninjas” – Leonardo (da Vinci), Rafael (Sanzio), Donatello e Michelangelo 🐢-, os artistas europeus, sobretudo os franceses, começam a pensar outras formas de representar, com temáticas mais próximas do cotidiano, rompendo com os preceitos hegemônicos da Academia e dos Salões. E a gravura japonesa 🍣🍡 foi uma das contribuições para essa renovação no campo artístico 🥋🎨.
Em vista desse arcabouço, o que seria e não seria os memes para a História da Arte 🎨? Como esses conseguem se infiltrar , penetrar a narrativa de artistas e críticos de arte, igualmente, como a disciplina tem lançado olhares para as novas mídias 📺, tomando partido das atualizações no que se refere às linguagens visuais? Como dito anteriormente, determinadas noções vinculadas à gravura foram ressignificadas e expandidas para os métodos virais na internet 📶. Ou seja, transformar a circulação de uma imagem, multiplicada exponencialmente como um organismo vivo e sem controle. Finalmente, tornou-se de fato democrática como sonharam no passado os mais utópicos do realismo socialista, com seus trabalhos estampados em jornais, revistas, cartazes e toda espécie de material gráfico. Os veículos foram reduzidos as telas dos dispositivos eletrônicos, todavia, ainda há peças classificadas de acordo com categorias específicas: publicidade, aviso, denúncia, convite, etc. É interessante perceber como a circulação dessas imagens, em sua raiz, é uma situação sintomática, ou seja, uma doença. De certa maneira, estamos adoentados em razão do consumo pela internet, dado que fomos induzidos a usá-la em doses cavalares. Gutemberg jamais conseguiria dimensionar que a circulação de ideias e informações chegaria nesta proporção caótica vivenciada atualmente.
Mesmo o mundo sendo cada vez mais visual, ou melhor, sendo constituído por uma sobreposição de recursos da imagem, ainda existe uma grande desvalorização dos profissionais ligados às áreas da visualidade, tanto aqueles que produzem como os responsáveis pelo ensino-aprendizagem. Ainda se acredita que os estereótipos das novelas (televisão), a vida perfeita instagramável 🤳 (publicidade), as fotos em restaurantes chiques 👨🍳🍽️ (propaganda) ou os filmes de hollywoodianos 🎬 (cinema) embutidos de mensagens 💌, não foram pensados, refletidos e construídos por sujeitos altamente qualificados. Sem o desenvolvimento de uma pesquisa aprofundada os riscos de emitir e reproduzir práticas racistas 🖤, machistas 🤦🏼♂️, elitistas 🤑 e outras, são bem maiores.
Desta maneira, é importante compreender o professor(a) de artes como um formador crítico desse conhecimento visual, tão cristalizado e abarrotado de estereótipos sociais, disseminados de maneira acrítica. Até quando as crianças serão fantasiadas de “índio” no dia 19 de abril? O que tem se ensinado a respeito dos saberes indígenas, do genocídio sofrido, das pautas contemporâneas, das personalidades atuantes? Quais iniciativas foram adotadas para dissipar o imaginário de que inúmeros grupos étnicos (r)existem no presente e não somente no passado, nos livros de História do Brasil 💙💛💚? Além disso, destacamos outro tópico, voltado para as crenças incoerentes anunciadas no início desse parágrafo. Em suma, cada vez mais se deseja falsear o cotidiano em prol de uma aproximação com ensaios fotográficos, mantendo o feed organizado por cartela de cores e poses lapidadas. Porém, desconsideram que a composição formal, relação cromática, captação do ângulo, distribuição dos elementos, e outros preceitos, advém de estudos. Na busca por alcançar modelos ideias, a aparência pela aparência resulta no esvaziamento discursivo.
No momento em que o culto acontece, os fiéis pedem “A Noiva” 👰🏻⛪ que abençoe os seus trabalhos. Com a abundância de templos desviados do ensinamento cristão, voltados unicamente para os interesses de seus gestores, a criação de uma instituição para aqueles que depositam sua esperança na arte nos parece bem mais legítima e sincera. Por muitos anos, a arte também foi conservadora e contribuiu para afirmar o moralismo, postura que resultou no apagamento de tantas culturas fora do cânone pela História Oficial da Arte, escrita no singular e letra maiúscula. Em vista disso, desacreditamos não ter existido artistas mulheres 👧🏾, pretos 🧑🏿, indígenas 🏹, queer 🌈, singulares em suas épocas. É um equívoco adotar o mesmo parâmetro sem considerar as desvantagens enfrentadas por aqueles que foram consideradas a “parte” em uma sociedade cisheteropatriarcal, misógina, branca e normativa 👴
Junto a isso, reforçamos que aqueles que escolhem seguir a carreira da educação no Brasil 🎓 precisam vestir a camisa e lutar por uma sociedade mais igualitária ✊🏿✊🏻. O mundo da arte é um campo de constante disputa ideológica. A propósito, sabe aquela história das cores da Bandeira do Brasil 💙💛💚, que o verde representa as matas 🌳🌴🌵, o amarelo o ouro 💰, azul o céu e os rios 🐟🐡, branco o desejo de paz 🕊️? Então, uma ideologia ufanista popularizada durante a Ditadura Militar 🔫💥💣, resgatada na última eleição presidencial pela ala da direita ultraconservadora. Observamos constantemente na história um processo de apropriação e ressignificação de símbolos ⚡🍆🍑💧️, feitos por quem deseja ter o poder em suas mãos 👐🏽.
Embora tenhamos citado a questão da fé na arte, o sentido usado está distante de ser literal, ao contrário, deve ser pensado como analogia. Precisamos entender os profissionais da arte-educação como sujeitos que carregam a responsabilidade ética ⚖️, e não como aqueles que promovem uma religião ⛪ ou verdades irrefutáveis 🔮. Em primeiro lugar, o que eles prezam é uma arte mais humanizada 🎨🎭, relacionada à vida ❤️, e de certa maneira, a compreensão desse campo enquanto lugar de disputa ideológica das imagens. Por exemplo, como enxergamos a cultura russa contemporânea? Um mundo exótico onde o presidente Vladimir Putin 🐻, sem camisa, anda montado em um urso durante suas férias ou a música psicodélica 🌈 do cantor Vitas 🎤, conhecido popularmente como o “Príncipe da voz de golfinho ” 👑🐬, amado pelos brasileiros.
Um tweet 🐤 nos avisou que o Brasil foi o vencedor da última Guerra Mundial de Memes ⚔🪖️ contra Portugal, uma revanche simbólica contra o antigo colonizador 🏹. Nesse sentido, os virais na internet 🌐 são responsáveis pela criação de estereótipos culturais 🧕🏻, por meio do qual a maior parte da população constrói sua referência 👩🏽💫👨🏾🎤. Sendo assim, os profissionais das artes são importantíssimos para que o entendimento dos memes se dê de maneira crítica, separando ficção 👾 da realidade🧬, bem como o exagero do humor 🎭 dos fatos históricos. É precisamente a falta do olhar apurado que tem contribuído para a expansão de crenças nas fake news 🤥📰🤥📰🤥📰🤥.
Os memes estão entrelaçados nesse mundo das ideologias imagéticas e a série Grupo do ZAP foi elaborada justamente nesse universo ficcional-real 🎬📽️. Ficcional por ser construída a partir de informações falsas🤥📰, sem procedência, de ampla circulação, mas ao mesmo tempo real por ser baseada em conteúdo existente. Nesse caso, o real está relacionado a realidade de fatos que existem como ficções, apesar de ser tomada por muitos como realidade verídica. As problemáticas das imagens 📷 estão sendo incorporadas ao sistema de arte, como na 58ª Bienal das Artes de Veneza, em 2019, com o título You May Live in Interesting Times -Você vai viver tempos interessantes-, que entre muitas temáticas, explorou os problemas da vinculação das imagens. Na abertura, a artista italiana Lara Favaretto propôs a instalação Thinking Head, na qual o prédio da entrada foi envolvido por fumaça. Indício de incêndio? Pensaríamos no caso do Museu Nacional 🔥🎨🔥🦕🔥🏺🔥🖼️, ou até mesmo na Catedral de Notre-Dame 🔥, na França, mais recente em relação à exposição. Ou seria um fenômeno natural, como a neblina? Ademais, o quanto tem se debatido sobre mudanças climáticas 🌎🥵🌍🥶🌏? Quais rumores são provocados diante de uma fumaça🧯? Essas nuvens ️efêmeras 🌬️☁️podem gerar tantas desinformações 🤯 se não procurarmos saber a fundo do que se trata. Se pensarmos nos governos autoritários 🔫💥💣 não faltará exemplos de imagens apropriadas, manipuladas, descontextualizadas, tudo para conseguir aliados por meio da ignorância 🐮🐮🐮🐮.
Iniciada em 2020, a série consiste em publicações no Instagram, feitas com técnica de manipulação digital, 150×150 cm. O conjunto busca entender como a linguagem 🤬 do design reacionário das correntes dos grupos de Whatsapp e Facebook atinge a população. De forma humorada, o trabalho reúne os cânones da história da arte, personagens de desenho animado, ícones da cultura de massa 👩🏼👨🏾👩🏼👩🏻👨🏾👨👩🏼👨👩👩🏻, emojis, memes e linguagem digital, mixados em uma estética tosca 👌🏽👈🏿. Victor Meirelles, Pokémon🦖⚡🦕, Barbie 💅🏻, reactions 😱, o gato vestido de diabo 👿 🐱 e WordArt 📎 (graphic design is my passion). Um dos propósitos deste trabalho é entender as relações entre Arte 🎨 e Política 🤡️ e pensar as redes sociais como importante – e perigosa 💣 – ferramenta de manipulação das criações de mitos e mitologias 🤳🏽. Compreendemos que o termo arte política é um pleonasmo ideológico📣📢, uma vez que não há como desvencilhar o fazer artístico 🎨 do ato político 🤡. E se o design preza em valorizar os objetos, tanto no que diz respeito à aparência como também na atribuição de funcionalidade, destacamos a importância de cada vez mais aderirmos seus preceitos e recursos nas artes visuais para alcançar o maior número de pessoas 🙋🏿️🙋🏼️ e transmitir nosso ativismo. A série foi baseada em fontes oficiais do governo brasileiro, como o Plano Político de Eleição da Chapa Bolsonaro-Mourão e dos discursos 🐀🧠🗣️ dos diversos ex-funcionários do alto escalão da Secretaria de Cultura. Se antes os discursos já soavam absurdos 🗣😷🗣, agora, somado a estética daqueles que os defendem, devolvemos a eles nossa interpretação de suas práticas reacionárias. Continuemos a ridicularizar o ridículo 😂👌🏽🤣, para que não haja espaço para a sua adoração 🙏🐮🙏.
Lucas Almeida de Melo é Mestrando em Design, na linha de Design e Cultura, pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ). Especialista em Ensino Contemporâneo da Arte pelo Colégio de Aplicação e Faculdade de Educação da UFRJ. Professor de Arte licenciado pela EBA/UFRJ.
João Paulo Ovídio é Mestrando em Artes Visuais, na linha de História e Crítica da Arte, pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA/UFRJ). Especialista em História da Arte da Cultura Visual pela Universidade Cândido Mendes. Bacharel em História da Arte pela EBA/UFRJ.