Inaugurada no último dia 2 de setembro, em comemoração aos 27 anos do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, a obra DISPONÍVEL, instalação de Leandra Espírito Santo, ocupa até o dia 26 de novembro a área externa do museu. A instalação propõe múltiplas possibilidades de leitura, tanto pelo viés de crítica à comoditização do espaço público quanto pela monumental afirmação de uma disponibilidade para o outro. “DISPONÍVEL” terá lançamento de Cartão Postal comemorativo no próximo dia 30 de setembro de 2023.
A obra investe nas ambiguidades que resultam do deslocamento da palavra DISPONÍVEL por diferentes contextos paisagísticos e arquitetônicos. Por um lado, a instalação evoca toda uma problemática relacionada às questões urbanas e à especulação imobiliária; por outro, literaliza a disponibilidade da instituição que acolhe o trabalho em relação à artista e ao seu público.
A produção recente de Leandra Espírito Santo é fortemente marcada pela apropriação de signos e imagens que mediam nossos corpos e subjetividades nas diferentes plataformas de rede social que frequentamos. Isso agrega mais um sentido à palavra monumentalizada pela artista: DISPONÍVEL também é uma configuração de status que podemos associar a nossos avatares online quando podemos/queremos conversar.

No sábado (30), será lançado um cartão postal de distribuição gratuita, com imagem da obra “DISPONÍVEL” no Museu de Arte Contemporânea de Niterói. A ação é um desdobramento conceitual da obra, que visa criar uma interferência no imaginário clássico desse ponto turístico da cidade, gerando outra forma de apreensão e circulação paralela da obra, ampliando seu público para além do local onde está sendo realizada. Outra proposta de interação do projeto é um qr-code trazendo os dados da instalação, disponibilizado nos dispositivos interativos do MAC, que acompanha a obra. O qr-code está vinculado ao perfil do Instagram da artista. O público que se fotografar com a obra poderá enviar suas fotos para serem postadas nesse perfil.
O MAC-Niterói é a segunda instituição a expor esta obra de Leandra Espírito Santo. Em setembro de 2021, o Complexo Fepasa, em Jundiaí (SP), apresentou a enigmática escultura em sua área externa, desencadeando, ainda sob a atmosfera pandêmica, uma série de especulações sobre o sentido do trabalho que, para além de sua presença material no local, circulou através de cartões postais e postagens em redes sociais. O projeto foi resultado do prêmio que a artista recebeu dentro do PROAC LAB SP 2020.
Leandra Espírito Santo (Nascida em Volta Redonda -RJ, vive e trabalha em São Paulo – SP). É artista visual e desenvolve trabalhos híbridos a partir de meios como performance, vídeo, fotografia e linguagens tridimensionais. Em sua produção, vem refletindo sobre a relação entre corpo e tecnologias, assim como sobre o universo das relações em redes sociais. É doutora e mestra em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA/USP, SP), e graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF/Niterói, RJ). Em 2023, produziu obra inédita para o espetáculo imersivo “Autorretrato”, dirigido por Felipe Hirsch, e integrou pelo segundo ano a comissão de seleção e curadoria do Parque de Esculturas da Secult Espírito Santo. Em 2022, participou da Bienal do Mercosul com a obra multimídia “Re-member” – comissionada a partir da primeira chamada aberta da mostra. Em 2021, realizou a intervenção urbana “Disponível” – projeto contemplado pelo Prêmio Histórico em Artes Visuais do PROAC LAB SP. Iniciou sua carreira em 2010, tendo sido finalista no Prêmio EDP nas Artes – Instituto Tomie Ohtake, e, desde então, vem participando de exposições e prêmios no Brasil, e em países como, França, Inglaterra, México e Portugal.

Inspirada nos letreiros presentes em diversos pontos turísticos e em grandes empreendimentos imobiliários, a artista instala uma escultura de 10 metros de largura com a palavra DISPONÍVEL diante do icônico edifício de Oscar Niemeyer. O projeto conta com texto crítico de Icaro Ferraz Vidal Jr:
DISPONÍVEL, por Icaro Ferraz Vidal Junior
A poucos metros do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, descendo em direção à Praia de Icaraí, há um letreiro no qual lemos a frase “#EUNITERÓI”. A figura do coração é vermelha e possui uma forma que preserva a agilidade do gesto que a teria traçado. A depender da posição assumida pelo passante diante da peça, o apressado coração, sem preenchimento, emoldura o icônico edifício de Oscar Niemeyer. Tudo parece contribuir para que, buscando o ponto ótimo de observação da paisagem, sejamos surpreendidos por um like involuntário no disco voador. Contemporaneamente, assistimos à proliferação, por todo o mundo, de letreiros posicionados diante de pontos turísticos, incrementando seus coeficientes de instagramabilidade. Tal fenômeno pode ser lido à luz das mudanças nas relações entre os corpos e as cidades, que passam a ser ostensivamente mediadas pelas telas de celulares e computadores e pelas plataformas de redes sociais. A hashtag que, no referido letreiro, antecede o “EU” permite pensar que a hiperbólica afirmação do amor por Niterói (que, como niteroiense, subscrevo) direciona-se mais aos infinitos feeds de redes sociais do que aos pedestres e banhistas que transitam cotidianamente pelas orlas das praias das Flechas e de Icaraí.
DISPONÍVEL é uma instalação pública da artista Leandra Espírito Santo que se inspira exatamente neste tipo de letreiro e tensiona os processos de comoditização do espaço público, de pasteurização de territórios e paisagens, e de sujeição dos corpos e das cidades à lógica das imagens. A artista esgarça os múltiplos sentidos da palavra ostentada em seu letreiro, deixando poucas pistas a nos orientarem em uma interpretação conclusiva da obra. Que o título do projeto seja DISPONÍVEL testemunha a fina ironia com que Leandra constrói o que o crítico Germano Dushá, escrevendo sobre a primeira montagem deste projeto, em 2021, chamou de um “enigma colossal”. Decisões como a redundância do significante DISPONÍVEL no título e na obra, e a formalização econômica do letreiro (com um tipo sem serifa e na cor branca), deixam-nos órfãos da autonomia e da imanência da obra de arte e nos convocam a escrutinar, na periferia da obra, pistas que nos ajudem a lidar com ela.
Talvez, DISPONÍVEL deva ser compreendido mais como o catalisador de uma experiência social e estética do que como uma escultura. Afinal, é no deslocamento deste significante e na sua assimilação a diferentes arquiteturas e paisagens que ocorre a multiplicação dos sentidos possíveis da obra. Em setembro de 2021, o Complexo Fepasa, em Jundiaí (SP), apresentou pela primeira vez o letreiro de Leandra em sua área externa, desencadeando, ainda sob a atmosfera pandêmica, uma série de especulações sobre o sentido do trabalho. Diante do complexo que abrigou a antiga oficina ferroviária da Companhia Paulista de Estradas de Ferro sobressaíram as discussões em torno das questões urbanas, da especulação imobiliária e da lacuna deixada pela falência de um projeto nacional de desenvolvimento. Cumpre destacar que, em Jundiaí como em Niterói, o projeto acontece para além do local e da materialidade do letreiro, tanto através dos cartões postais produzidos pela artista, quanto das selfies tagueadas e compartilhadas pelo público nas redes sociais.
Este aspecto da obra conversa com a produção recente de Leandra Espírito Santo, caracterizada pela apropriação de signos que povoam as diferentes plataformas de comunicação online. Os emojis e status que associamos aos avatares que representam nossos humores e disposições nos ambientes digitais têm inspirado uma série de esculturas e instalações repletos de ironia. À luz da pesquisa de Leandra, é possível compreender DISPONÍVEL também a partir da ambiguidade trazida pela relatividade inerente ao uso da palavra na sociabilidade online. Quando optamos pela disponibilidade como status em uma rede social, para que e para quem estamos disponíveis? Frequentemente associada às expectativas de urgência e imediaticidade, nossa disponibilidade (assim como nossa atenção) mostra-se, de fato, bastante limitada. Por isso, ao nos colocarmos como disponíveis nos chats, estamos, na melhor das hipóteses, mentindo e, na pior, indisponíveis para o aqui-agora do corpo no espaço e do encontro com o outro. Entre a melhor e a pior das hipóteses, há cinquenta tons de distração pelos quais oscilamos na maior parte do tempo, enquanto vivemos nossa condição crônica e paradoxal de estar e não-estar DISPONÍVEL.
Agora cabe a nós, diante do MAC-Niterói, escutar o que DISPONÍVEL nos diz. Se há, inequivocamente, o imaginário turístico e imobiliário na órbita do espetacular edifício de Oscar Niemeyer e das paisagens que ele instaura, seu uso social como Museu nos permite acessar outros sentidos da disponibilidade monumentalizada por Espírito Santo. Originalmente investidos das funções de salvaguarda patrimonial e construção de memória, os museus contemporâneos são confrontados a novos desafios, que incluem, para além dos aspectos estruturais ligados à preservação e exposição de seus acervos, a necessidade de se abrirem, enquanto espaços de convivialidade, constituição de laços sociais e criação de comunidades. Nesse sentido, inaugurada no último dia 2 de setembro, data em que o MAC-Niterói completou 27 anos, a instalação DISPONÍVEL sugere uma aposta no museu como lugar de encontro com o outro. Será que estamos disponíveis para isso?
Icaro Ferraz Vidal Junior (Nascido em Niterói-RJ, vive e trabalha em São Paulo-SP). É pesquisador, crítico e curador independente. É doutor em História, História da Arte e Arqueologia pelas Université de Perpignan e Università degli Studi di Bergamo. Atualmente é pesquisador visitante no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Dentre seus projetos curatoriais recentes destacam-se As palavras e as vísceras (Lona Galeria, 2023), Multiplicidade tripartida (OMA Galeria, 2023), Horizonte premeditado (Casa do Olhar Luiz Sacilotto, 2022), O paraíso dos marrecos (Residência Fonte, 2022), Eclipse (Janaina Torres Galeria, 2022), Espaço preso (Zipper Galeria, 2022). Tem publicado sobre arte contemporânea em veículos especializados no Brasil e no exterior, além de contribuir como parecerista da área de Artes Visuais junto ao Ministério da Cultura.
Lançamento Cartão Postal “DISPONÍVEL” no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, dia 30 de setembro de 2023 (Exposição Até 26 de novembro de 2023). Endereço: Mirante da Boa Viagem, s/nº – Boa Viagem, Niterói – RJ, 24210-390. Horário de Funcionamento MAC Niterói: Galeria | De terça a Domingo, das 10h às 18h (entrada até 17:30). Pátio: Diariamente das 9h às 18h.