Dispersos atônitos somos
em meio a elas que operam
desde sempre por meio da morte
e do silêncio. Traumática dimensão
a fratura
essa falha
entre visível e invisível
nosso precário dizer.
Ela corpo vivens
fruto de indiscerníveis processos
matéria uterina
articulação linguística
acidentada articulação
desejo corpóreo do som
indistinto fluxo
vitalidade
simplesmente
e nada mais
existir
Ela necessário moto vigilante
em nada consolatório
agora em verdadeiro
estado de alarme.
falha tectônica
fratura humana
Ela parte de nosso corpo mais íntimo
ora padece e esmaece diante de nós.
Ela hoje é maquiada de ociosidade
de imediaticidade
em suas vísceras ela pulsa.
Ela é um dom não esqueçamos
e uma conquista perene
a ferro e fogo
é preciso de muito suor.
Conquista que se perde num piscar de olhos
Ela é um bem nosso
um bem comum
comum da comunidade.
Hoje ela sofre duros golpes
é rasgada e desgastada
está sangrando diante de nós
lacerações amputações mutilações
em seu corpo
corpo ultrajado violentado agredido
Ela hoje clama tacitamente
ela é nosso meio nossa existência
se ela padece padecemos nós com ela
ela é um alerta que clama do nosso presente
definha-se
descarna-se diariamente diante de nós.
O estado de alarme não é de hoje
a falha está aberta
entro nela
escuto rugidos cicios murmúrios
lambilonga lambilenta
desejosa por significantes lambentes
por silêncios
a língua enfurecida
brame
urra.
Patricia Peterle (São Paulo, 1974) mora em Florianópolis. É crítica literária, tradutora de textos literários e filosóficos, pesquisadora do CNPq e professora de literatura italiana na UFSC. Seu campo de atuação é a poesia italiana dos séculos XX e XXI e sua relação com a filosofia. Traduziu textos de G. Pascoli, G. Caproni, E. Testa, E. De Signoribus, G. Agamben, R. Esposito, F. Rella. Seus poemas foram publicados Acrobatas, Mallamargens, Ruído Manifesto, Revista Sepé e Palavra Comum.