A Philos conversou com o artista paraibano Thiago Costa acerca de seu processo de criação em artes visuais e literatura, que investigam as suas (in)corporações. O artista aplica suas técnicas de solda sobre vergalhão para criar esculturas-ferramentas a partir da sua pesquisa sobre escrita-imagem a partir das filosofias Yorubá e Bantu.

Flechas para dentro, obra de Thiago Costa (2022)

Sua escrita tem uma relação com a palavra que é dita quase em suspense, que fala sobre o ato de costurar, letra por letra, de prender na tessitura crua do papel (e das mentes do leitor) aquilo que é oral, como em Notas de Falecimento, por exemplo. O que se desprende de si na construção de suas narrativas?

Eu penso a palavra como uma materialidade de condução e com ela procuro me desprender da linearidade do tempo, alcançando uma poética com diversas formas e formatos, tenho uma relação com os meus textos onde parece um quebra-cabeça onde ouço as peças e movimento aquele tabuleiro. Também tenho interesse no que está antes e sobretudo após da codificação da palavra. O trabalho que você cita, ele foi feito em vários suportes como bandeiras, poema e vídeo, transbordando o que o próprio trabalho pediu, o que me faz pensar sobre a importância de olhar a mesma coisa por vários ângulos.

Exercícios para aterramento, obra de Thiago Costa (2022)

Thiago, você foi um dos convidados do IMS para a exposição “Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os brasileiros”. Carolina que, assim como você, possui a palavra num lugar central de suas produções para narrar sua escrevivência e se manteve escritora até seus últimos dias. Para você, qual a trajetória da poética e da prosa nacional, ou melhor, da “palavra preta sua, de Carolina e de tantos outros, para a literatura nacional?

A Carolina é uma artista genial que utilizou diversas mídias – ou as que ela conseguia acessar – e que abriu o caminho para que no Brasil pudesse pensar as questões raciais a partir do prisma da subjetividade, em um exercício de humanidade a Carolina produziu e criou o seu legado dentro da nossa história, uma obra que transcende a história literária brasileira e ocupa o lugar de um trabalho também historiográfico. Há um déficit no nosso sistema de educação e na “história oficial” onde não é mencionado as nossas experiências de sequestros e de invasões nesse território, vejo que os nossos trabalhos têm construído, contribuído e proposto novos imaginários para que possamos criar horizontes fartos e prósperos.

Na sua pesquisa você também tem trabalhado com esculturas que tem sua poética forjada no ferro, criando uma intersecção do poema e do objeto. O que esse novo trabalho traz para o público e o que significou para você desenvolvê-lo?

Série igbakis, de Thiago Costa (2022)

Estou interessado em investigar a relação das formas com as corporações e incorporações, pensando essas cosmopercepções ativadas a partir da leitura semiótica da imagem. As filosofias Bantus e Yorubás, tem sido importante na compreensão do que tange a relação com a geometria, a criação e continuação de códigos de linguagem.

O gesto de assentar e seus métodos fazem parte de saberes milenares onde se acessa as temporalidades do que é intencionado, que possibilita comunicação e relação da forma com o corpo. Podemos pensar que assim como o Oriki e o Cosmograma Bakongo são ciências imigrantes que foram preservadas dentro dos espaços de matrizes africanas pelo seu uso. O trabalho está em um exercício de escritura onde o poema também habita na relação com a imagem, a matéria e a manifestação. As esculturas-ferramentas se formam em instrumentos no que tenho chamado de tecnologias para fuga, resultante de tantas negociações por humanidade. Onde se ginga ora por liberdade ora pelo desejo.

Firmar como possibilidade de fabulação, em gestos e coreografias, para além da sonoridade do poema. Essa dobra, conceitual e material, traz outro sentido ao vergalhão, que comumente utilizada para dar uma invisível sustentação a edifícios na construção civil, passa agora a sustentar e conduzir processos cosmoperceptivos e poéticos. A não-linearidade da relação palavra com as formas criadas em ferro, sugere outras leituras semióticas e o desdobramento da relação do Oriki com os signos de linguagem.  A palavra sonora, imaterial, transmutada em imagem, materialidade: dispositivo de relação entre esses dois universos indissociáveis.

Em Obé, seu primeiro livro, você apresenta o seu conceito de orikis que, dentre seus os diversos significados, tem o poder de evocar e exaltar. O Oriki me faz pensar na palavra como algo que rasga ou que “acerta o seu alvo” ao ser dita. Como foi o processo de produção do seu livro?

O livro Obé – Poesias y Orikis começou a ser organizado em 2016 e só lançado em outubro de 2021 com poemas desde 2010, logo, essa editoração acompanhou e conduziu o processo de diversos trabalhos. Então o livro também se torna resultado e recortes de um caderno de artista. O processo de escuta e escolha de cada verso para um livro é um processo que necessita espera e paciência. Durante o processo os poemas que não entraram em Obé, editei e diagramei em outro livro que se chama “CIANO” que acredito que não será lançado.

Série igbakis, de Thiago Costa (2022)

A matéria completa você confere na próxima edição impressa de verão que será lançada em maio, durante a ArPa 2023, em São Paulo. Sem mais delongas, leia um poema inédito do artista:

notas de falecimento

o brasilfalil
entrou por um fio
correu para o rio
nem oxum viu

o brasilfaliu
anda hostil
tá barril
coração tá mil

o brasilfaliu
fulano morreu
cicrano ninguém viu
mas o povo riu

o brasiufalil
ouro não mais se viu
a mata já subiu
o azul sucumbiu
ordem e progresso
nunca nem se ouviu

o brasiufaliu
num engarrafamento sumiu
tecnologia se exauriu
o prédio floriu
os votos dos devotos
devolvem os postos

dos tortos

as preces das lebres cheias de fezes
y cordeiros enfermos

a ermo dos acertos

rezas das pernas
promessas da penha
varadouro > mar:

inseguranças dançam

as fitas dos bonfins
guardam os confins

dos pedidos pro fim

Série igbakis, de Thiago Costa (2022)

a call mar
nesse céu agitado
mar calado
de espírito bravio

dívidas das i
das y vidas
saudade de ontem
amor que cochila

onda do sol
areia miúda
na juba

vassourinhas
afoitas
das cinzas
mergulho
no verão
frevo nº1
na avenida

demoras
das focas
nos trópicos
y da baleia
que nunca
veio

uma arma uma reza um suspiro
um veneno uma cura um suspiro
uma espada um banho um suspiro
um elo um ganho um suspiro
um gesto um santo um suspiro

‘um feitiço uma vingança um suspiro

pensamento destoa
parece que fico à toa

pensamento trovoa
a planta que  ensaboa
ao mesmo tempo enjoa

pensamento apavora
me deixa do lado de fora

esqueci como joga
as chances fora

pensamento despovoa
os mares sem canoa

imensidão que voa
a palavra boa
as coisas que não morrem estão sobrecarregadas 

Publicado por:Philos

A revista das latinidades

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