A humanidade tem seguido sua história de aperfeiçoamento, que nos últimos anos se provou ser exponencial. A cultura é por onde se dá esse processo, armazenando as informações dos erros e dos acertos ao longo do tempo, como uma grande mente coletiva. Viver mais e melhor é o objetivo, respeitando as liberdades individuais. O estudo, a análise e o pensamento crítico, cada vez mais disseminados em nossa sociedade, são as ferramentas básicas que usamos para conseguir o que temos hoje. No entanto, algumas importantes áreas da vida humana tiveram poucos avanços. O sistema judiciário – que aqui frequentemente chamarei apenas por justiça – é uma dessas áreas. Dito isso, este breve ensaio pretende ser uma pequena contribuição para a justiça.
O sistema judiciário é uma forma organizada e sofisticada de vingança, por meio da aplicação de punição. Inevitavelmente, falar em justiça é falar em punição. Através da história, os avanços da justiça se concentraram apenas na forma como a punição é executada e em como nos organizamos para punir. Voltando a outrora, o enclausuramento era sempre a espera por justiça, enquanto decidia-se a punição, geralmente brutal; hoje, a punição é a própria privação da liberdade.
Essa mudança de paradigma, do olho por olho e dente por dente pela privação da liberdade, foi o único avanço que tivemos; o núcleo da justiça continua sendo a punição. Acabou a lex talionis, mas a retaliação continua; acabaram os suplícios, mas as súplicas continuam.
Punir – e mais especificamente punir com a privação da liberdade – é um método, um método que visa a inibir futuros crimes por meio do medo na população potencialmente criminosa, ao passo que também vinga o crime cometido. Explicando melhor, as punições são, ao mesmo tempo, exemplos do que pode acontecer com um indivíduo que cometer um crime e vingança pelo crime cometido.
Entretanto, a privação da liberdade para quem já não tem saída é apenas mais do mesmo; não é algo a se temer. Ironicamente, o criminoso teme tão-somente onde o sistema falha, isto é, onde as prisões não são apenas o enclausuramento, como deveriam ser, mas são também selvas sanguinárias, onde impera o caos absoluto.
A punição de privação da liberdade é, portanto, um método ineficaz e pouco inteligente para a diminuição de atos criminosos. Outrora, quando a limitada consciência humana permitia punições violentas, a punição ainda fazia algum sentido metodológico, ao menos para homens primitivos; hoje, apenas privando a liberdade, já não faz nenhum sentido. Chegamos a um ponto impossível, um impasse.
Dentro de sua metodologia precária, nossa justiça cumpre bem somente o papel que se colocou de vingar. Mas é um aparato demasiado grande para algo tão pequeno. Nem mesmo a ideia de que se está removendo malfeitores do convívio social e deixando as ruas mais seguras pode defender esse método, visto que o ciclo de criminosos que entram e saem das prisões é constante. Ademais, por vezes as prisões servem apenas para piorar o estado de quem já não estava bem.
A cultura, por outro lado, é o verdadeiro método eficaz. O homem moderno sem cultura é um homem primitivo, é um homem que não colhe os benefícios da grande mente coletiva, não expande sua consciência, não adquire autoconsciência e autocontrole, não sabe dos últimos avanços da humanidade; vive, em suma, como um homem de séculos, milênios atrás. Fazer parte da cultura é adquirir informações sobre ela; portanto, a aquisição de conhecimento, também conhecida como “educação”, é a melhor forma de prevenir a criminalidade.
Contudo, parece ser que durante um longo tempo a humanidade ainda sofrerá com criminosos dos mais diferentes níveis, resultantes dessa perniciosa gestão social que temos ainda hoje. Mas se a punição não é o método adequado, e na verdade demonstra um lado primitivo de nossa sociedade, qual é o método adequado para lidar com criminosos?
Em nossa sociedade, frequentemente os indivíduos já nascem pagando pelo crime que um dia cometerão. Essa pré-punição é, em verdade, culpa do crime futuro; esses homens são antes punidos, depois criminosos. “Condição ambiental” é como pode ser chamado esse processo, do meio que influencia o indivíduo de tal forma que um crime para ele se torna algo natural. Com essa visão de mundo, o que temos é alguém que já vive em uma prisão. Ou seja, punimos quem já foi punido, prendemos quem já estava preso.
O que devemos fazer, portanto, é o inverso: dar liberdade a quem não tem. A psicologia, com todo o seu conhecimento da mente humana (especialmente do subconsciente), é o maior instrumento de liberdade e tem poder para reestruturar a sociedade. Prisões devem ser substituídas por centros de reabilitação psicológica, com psicólogos procurando descobrir a real causa do problema que levou ao crime, junto ao indivíduo, e tratá-lo de acordo. Não há homens bons ou maus, certos ou errados; há apenas homens, com todas as suas variáveis. Ademais, todo homem é uma reação.
Há também os casos em que o crime é cometido por doentes, isto é, pessoas com distúrbios mentais, como a psicopatia. Nesses casos os indivíduos devem ser tratados como doentes, não criminosos, por psiquiatras e neurologistas; e na impossibilidade de tratamento devem ser privados do convívio social, cuidados da melhor forma possível.
Para tudo isso acontecer, no entanto, é preciso vencermos o prazer da vingança. Nossa primeira reação (e quando digo “nossa” estou realmente me incluindo) ao saber de um crime, especialmente um que envolva violência, é desejar de volta o mal ao criminoso. Mas esse é um sentimento primitivo, que deve ser superado para podermos avançar.
Por fim, recorramos a uma ilustração do passado da humanidade – a história, como ficou claro até aqui, tem muito ainda a nos ensinar. Houve uma época em que a punição era um evento, para que sua função de exemplo fosse melhor realizada. Um condenado executado em praça pública, por exemplo, um evento em família. A ironia é que sendo um exemplo se pressupõe que seja algo tortuoso, obrigatório, penoso – mas pelo contrário, pelo contrário… Ao mesmo tempo em que era dado o exemplo para o cidadão não cometer o mesmo crime, havia o sentimento generalizado de necessidade de haver crimes, haver condenados – haver a diversão do prazer da vingança.
Roger Claus (Taubaté, 1992). Escritor e estudante de Engenharia.
Um comentário sobre ldquo;O que é a justiça?, por Roger Claus”