Verônica bebeu um gole da vodka enquanto batia o cigarro no cinzeiro encima da mesa. Mais um cliente havia preferido a companhia de outra menina à sua. Era uma quinta-feira, dia de bom movimento, e ainda não havia feito nenhum programa. Era difícil admitir, mas a idade chegara e seus tempos de glória haviam acabado.
Bebeu mais um gole. Suspirou. Olhava para os homens com desgosto. Não por serem eles em sua maioria casados e estarem num puteiro. Já havia passado há muito tempo da fase de querer julgar alguém. Quem era ela para fazer juízo do comportamento alheio? Sua mágoa era que os homens não a queriam mais. Entretanto, isso não deveria ser nenhuma surpresa. Afinal, quem vai à zona para comer uma mulher envelhecida igual à que tem em casa?
Tragou a fumaça do cigarro. Gostava daquela sensação. Havia entrado mais um cliente que olhou ao redor, hesitou por um momento e foi sentar-se com a baianinha. A menina chamava a atenção, tinha que admitir. Ainda mais sendo uma mulata em terras gaúchas. Verônica fixou os olhos na garota. Já fora como ela: jovem, bonita e gostosa. Mas sua hora chegará, minha filha! Ficará como eu. Uma velha caída e rejeitada. Será seu fim. Game over para você, minha flor! O ódio e a inveja ferviam seu sangue, o que lhe dava uma sensação muito agradável.
Será que vou acabar como a Jaqueline? Largar a vida de puta e ficar viajando ao Paraguai para trazer muamba? Porra nenhuma! Prefiro tomar chumbinho a virar sacoleira.
O pior de tudo era que não podia se queixar da sorte. Conhecia centenas – talvez milhares – de meninas que trabalhavam em condições muito piores. Prostitutas de rua, sujeitas a todos os tipos de violência, ou mantidas em regime de escravidão por gigolôs sem escrúpulos. Ela sempre trabalhou em casas relativamente boas. Ganhara muito dinheiro, mas não guardou nada. Torrou tudo com cocaína e bebida. A verdade era que teve boas oportunidades de ter uma vida melhor.
Lembrou-se do caso que teve com o engenheiro há uns dez anos. Ele a levou para sua cidade no interior, mobiliou um apartamento para ela e arranjou um trabalho de secretária na firma de um amigo. Mas aquela vida bovina de acordar todos os dias com as galinhas não era para Verônica. Ainda mais naquela cidadezinha provinciana, cheia de gente atrasada. Largou o emprego e voltou para Porto Alegre. Foda-se! Recapitulando, talvez tenha sido uma das poucas atitudes acertadas que tomara na vida, já que o tonto estava querendo largar a mulher e os filhos para ficar com ela. Iria acabar com a vida do sujeito. Foi melhor assim.
Bebeu um largo gole da vodka. É pau, é pedra, é o fim do caminho, dizia um desses caras da MPB. Ou seria a própria Elis? Não importa. O fato é que ao final de vinte anos trabalhando como prostituta contabilizava três abortos, dois casamentos totalmente loucos e inconsequentes que não passaram de seis meses e uma conta bancária que não dava para pagar o aluguel no final do mês se ficasse doente. Agora estava aqui nesse puteiro meia-boca, mas era onde ainda podia trabalhar uma mulher da vida em final de carreira como ela. Preços acessíveis para atender ao pessoal do porto e do comércio. Carne de segunda mão.
Até seu nome de guerra havia mudado. Nathália já não combinava mais com ela. Era até uma sacanagem com a memória dos bons tempos. Achou que Verônica era mais forte. Combinava com sua voz rouca devido à nicotina e bebida. E pensar que iniciou sua carreira como Shirley. Que nome ridículo! Mas, francamente, com aquele corpo poderia se chamar até Amélia que formariam filas de homens à sua porta aguardando a vez.
A mulatinha subiu com o cliente que chegara há pouco. A loira desgraçada levou o frangote pro quarto. Bebeu um generoso gole de vodka em homenagem aos inúmeros meninos que desvirginou. Pelo menos isso. Ficaria na memória de muitos homens como a primeira mulher em suas vidas. Se todo mundo tem um propósito nesse mundo, quem sabe esse não era o seu?
Bebeu o último gole da vodka e amassou a bituca do cigarro no cinzeiro. Recostou-se na cadeira, jogou a cabeça para trás e fechou os olhos. Suspirou fundo. Talvez esse lance de trazer muamba do Paraguai não seja tão ruim assim.
Carlos Barth (São Leopoldo, Rio Grande do Sul, 1979). É engenheiro de profissão e escreve por prazer. Teve trabalhos publicados nas Revistas Philos e Subjetiva.
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