Tive uma surpresa quando vi as belas espécies de orquídeas e bromélias da restinga no litoral catarinense. Espaço de fauna silvestre onde é possível deparar-se com corujas e carcarás. Há momentos, e é uma questão de segundos apenas, em que se sente a presença dessa harmonia.
Um dia, ao longo de várias horas, tirei uma série de vinte e tantas fotos no abrolho, e transformei as imagens em um caderno para folhear como se fosse um mapeamento da botânica daquela região.
Os antigos chineses foram dos primeiros a utilizar orquídeas na medicina. Eles as consideravam as mais aristocráticas dentre as plantas – plantas com virtudes e sabedorias. “Ligar-se a uma pessoa superior é como entrar em um jardim de orquídeas”, dita a filosofia antiga. Charles Darwin, certa vez recebeu de um amigo e colaborador uma orquídea vinda de Madagascar. A planta floresceu e ele reparou que o labelo da flor formava uma espécie de tubo nectário que media quase 30 centímetros. Em sua publicação “A fecundação das orquídeas” ele supôs que em algum ponto de Madagascar – ilha que nunca visitou -, haveria uma mariposa noturna com uma espécie de tromba de 28 centímetros, adequada para extrair o néctar que fica na ponta do tubo nectário de sua flor. Na época chegou a ser ridicularizado por vários pesquisadores.

Anos após sua morte, dois entomólogos filmaram a mariposa-esfinge que esvoaçava acima da flor, desenrolava sua língua enorme e a introduzia no canal de néctar da orquídea que Darwin havia recebido. Muitos viveiros mandaram caçadores de orquídeas a países distantes, em viagens que duraram anos, para coletar plantas em pantanais remotos e em cadeias de montanhas.
Desfrute estético versus usufruto. Onde começa a nossa caça? No mundo invertido. Minha preocupação plaina sobre o fator destrutivo que aponta o homem como causador da quebra do “equilíbrio” dos habitats naturais. Fui salteada com o número absurdo de fauna atropelada (animais silvestres mortos por atropelamento nas rodovias da região do Paraná) que o Museu de História Natural recebe semanalmente para o setor de preservação de espécies.
Uma perturbação cardíaca diria, é pensar no modo como construímos nossas cidades e (não) conservamos a biosfera. Não basta contemplar a paisagem. A refletir sobre a política de artistas contemporâneos, sou quem atua enquanto naturalista, com enorme fascínio pelos campos da Arte, da Biologia e da História Natural, considerando relevante a intersecção entre as respectivas áreas e os estudos científicos, as organizações que envolvem determinadas práticas. Minhas proposições entre arte e ecologia pretendem provocar discussões sobre o meio ambiente o modo como procedemos nele, nossa ignorância e a sustentabilidade da sociedade no planeta.
Animais mortos ou a ocorrência curiosa da taxidermia em arte contemporânea? Um assunto que ainda assusta muitos, especialmente no Brasil.

A grande diferença entre a taxidermia vitoriana e contemporânea, por exemplo, é a preocupação com o bem-estar dos animais (lembre-se que a era vitoriana se empenhava com os troféus de caça). Assim diremos então que a pesquisa é sócia-artística. Os cenários sugestionam (ironicamente) visualidades abordando uma investigação onírica do ecossistema e da paisagem enquanto fenômeno vivido. Como orquídeas para apreciação em orquidários. Cenas surrealistas, dioramas contemporâneos e práticas advindas da museologia combinam-se em um panorama que tem como propósito criar visualidades e interações sobre sujeitos e paisagens em um espaço crítico entre arte e meio ambiente. Gerando uma sensação invertida, de que algo está fora de lugar, tal qual um Cerrado que é como uma floresta de cabeça para baixo. Há mais biomassa vegetal enterrada no solo do que na parte aérea.


Cintia Ribas (Curitiba, Brasil, 1979). Artista multimídia, bacharel em pintura e pós-graduada com especialização em poéticas visuais, ambas pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Brasil. Vive e trabalha em Curitiba, Brasil. A pesquisa é experimental e atravessa práticas variadas entre fotografia, taxidermia, objeto, arte e meio-ambiente. Co-fundadora do Clube da Colagem de Curitiba – coletivo agenciado por cinco artistas locais eclodindo ações diretas à pratica da colagem e da apropriação de imagens. Em processo de Residência Artística promovida pela Oi Mostro. Cintia participou de diversas exposições é representada atualmente pela Boiler galeria.

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