Uma fome aguda raspa o marfim dos ossos secos de abandono, um aperto de noite sufoca a leve canção da íntima rosa.

Há uma morte iminente na curva de cada gesto. Não te cegues diante a sombra que impiedosa cavalga o teu corpo de esquecimento.

As margens do sonho inundam-se, as agulhas cintilam ao reverberar o agreste sol da mais funda sede. Cada movimento é presságio de fim.

Abre a fonte, amor, a fonte onde afogar o voraz incêndio do desejo, deixa que as chuvas matem a secura dum ventre branco – enquanto houver águas a navegar, cada hora será estrela matutina ao romper a doce angústia do espasmo nupcial.

Antiquíssimo, o rumor imperceptível. Não há dia inflamado de vida que por sua toada não transborde. Vamos, a bonança desprega as suas bandeiras. É tempo de regressar ao âmago da solidão mais limpa e pura.

Cresce a distância com o ritmo das pegadas, e então se revela a existencial certeza do que se esfumou: o sobejo da tempestade cristalina fulgindo como pérola no desarrumo das areias.


Pedro Belo Clara (Lisboa, Portugal, 1986). Ocasional prelector de sessões literárias, colaborador e colunista de diversas publicações portuguesas e brasileiras, autor de três blogues e de seis livros, entre poesia e prosa.

Publicado por:Philos

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