[…]Artur não disse-se disse isto auto aturo altar rito um furo gramática desarticular arquitetura junção ao acaso decurso discurso as coisas vão surgindo como quede […]
Sobre o primeiro período deste trecho, podemos conjecturar: Artur não disse-se → Artur não se disse → Artur não disse coisas sobre ele → Artur abriu mão do juízo si por um tempo.
Artur abriu mão do juízo – também o fizeram os sinais de pontuação, renunciantes de seu posto de tentar moldar a linguagem (… a escrita ínfima rejeita separações …) disposta a desaguar em si mesmo, assinalando o fato de que ela captura o que apenas existe antes dela, antes mesmo que o pensamento se atualize numa nova frase cujo ar, enganador de atualidade, que poderia fazer com que alguém nela se paralisasse; após Artur não ter dito sobre si, a linguagem, para ser, de fato, linguagem começa a exigir que o discurso – ou melhor, sua aparência – faça um sacrifício de estar sob sua frequente máscara e exerça uma queda de significado, dissolvendo sua algemas – os nexos entre as coisas – que o levaram à uma prisão da concatenação lógica e linear. Os episódios imagéticos e ininterruptos seguidas pela renúncia de Artur, as imagens formadas por destruições e dissoluções de outras imagens, aqui, ganham autonomia diante de uma suposta trama – mesmo que não haja um mero registro de fatos, a suspensão promovida por estes quase-acontecimentos, mesmo que aparentemente sem sentido, é o que dita o sentido. A imagem poética esqueceu seu conteúdo pois ela não é sugerida pela poesia (…não é uma foto de parede sobre a cristaleira…), mas é composta pela própria linguagem num modo que apenas ela pode, soberanamente, criar.
[…] o que susto ser me desenrola envolto num tecido sublime de mim.
O verbo sustar significa fazer parar ou parar; interromper; suspender. Neste trecho, o pronome que assinala a existência de algo ou alguém que o eu da frase tenta parar de ser, interromper, suspender; este algo, porém, mesmo estando envolto num tecido sublime de mim, tem a capacidade de me desenrolar. Há um embate entre o eu da frase e aquilo que o eu tenta fazer parar. Neste entrave de forças, parece não haver ganhador, assim como parece não haver quem – eu ou o ser envolto num tecido – esteja em cima ou embaixo; ambos implicam mutuamente não suas forças, mas suas fraquezas – a fraqueza do ser que precisa do tecido sublime de mim para se cobrir e a minha própria, que me entrego à coragem de descer pela esteira desse tecido, não controlando mais meu próprio movimento. Ambos parecem terem sido despertos de uma natureza enregelada pelo movimento da linguagem, reencontrando-se numa semelhança conceitual que aniquila tudo que não sabe coexistir em sua corredeira.
[…] uma casinha bordada na pele do seu pulso empunha punhalada besouro coleóptero distante buraco ela em êxtase puro atirada na cama sem sapato nem meias semi nua […]
O impulso que leva a escrever – a escritura já virou desenho – a imagem de uma casinha numa metáfora que não se realiza – uma frase sem sujeito – quem empunha a punhalada, a casinha ou o próprio pulso onde ela se localiza?
Nesta narrativa em abismo – o termo abismo em heráldica é uma expressão que qualifica uma figura posta no centro do escudo ; aqui, um sinônimo para abismo é coração – o movimento desta narrativa sem funções determinadas nos leva ao seu coração ¬– e vemos que lá não mora ninguém – mas o desenho deste ninguém posicionado no centro deste movimento centrípeto é tão vivo que rasga uma trama já rasgada – a tessitura da trama não está nela mesma – ela serve para mostrar o movimento insistente da intermitente erosão de uma rocha sendo ferida dia após dia por ondas anônimas e amorfas do mar e que a desagregação dessa rocha resulta num inequívoco transporte de fragmentos que, depositados em outros lugares, podem dar origem a novas rochas; neste processo, que só existe quando há algo a ser dito, a indiferença quanto à forma – o que não significa desprezo da forma, mas uma não passividade a ela para existir e, consequentemente, uma necessidade de sua constante transformação – mostra que o intemperismo vernacular é só uma fase de um processo histórico sem fim.
Carolina Costa e Silva (São Paulo, 1989). Graduou-se em História da arte e Matemática. Hoje leciona em classes de português e literatura.