O bicha chegou, daquele país, de afora

O bicha veio, de longe, com os olhos abertos, compaixão no coração
para esse novo lugar, querendo experimentar, ver
se queria e poderia viver aqui, nessa cidade maravilhosa.

O bicha entrou, naquela sociedade, sem conhecer os costumes
daquele novo lugar, achando tudo interessante e todos bacanas
seres de bom jeito, caras do bem.

O bicha se aninhou, começou a conhecer, naquela casa de vila
aquelas mulheres, donas de casa, pessoas decentes e ordenadas
mães e pais, crianças, famílias, cidadãos.

O bicha sentiu-se nutrido pela gentileza e curiosidade da gente
não se achando diferente, também vindo de família de dona de casa
decente, de bom jeito, caras do bem.

O bicha convidou, para aquela casa de vila, outros bichas
pelo lugar que achava, por um tempo, seu lar
parecendo uma janela aberta num tempo fechado.

O bicha não entendeu que ultrapassou uma linha invisível
de fronteira, não percebendo o medo, a inquietude
que trouxe para aquele condomínio tranqüilo, celestial.

O bicha não acreditou que aquelas pessoas decentes
viram naqueles bichas convidados nada mais que
malandros, bagunça social, sementes do mal.

O bicha entendeu, tarde demais, que era também só bicho sujo,
infeccioso, estranho, lhes alienando, mal-amado
daquela sociedade ordenada, do condomínio, de casa da vila.

O bicha foi expulso daquela casa, paraíso temporário
a dona da casa havia chamado o dedetizador, pois ali
já tinham-se habituado mosquitos, baratas e um Gambá.

O bicha desceu a escada daquela casa de vila, percebendo
um rato morto no chão, destinado à extinção, bicho como o bicha
achado pela sociedade o animal mais sujo e infeccioso.

O bicha saiu, deficiente, mas vivo.


Giordano Delvalle (Zurique, 1982). Paisagista-Urbanista, Professor de Inglês, Fotógrafo de rua, tentando escrever um romance de costumes sobre a sociedade suíça e querendo voltar a viver no Rio de Janeiro, esse purgatório maravilhoso, onde dançou pela primeira vez na vida.

Publicado por:Philos

A revista das latinidades