tomai e comei
A cobra, agora rastejante, chorava.
– Mas por que este castigo meu Senhor?
Não pude fazer diferente,
Agi como a mim cabia.
Usei o que possuía – astúcia em demasia.
Assim fui feita pelas Tuas mãos.
Nasci de Terra e Sopro,
Tenho Mãe e tenho Pai.
Por que repeles como refugo uma cria Tua?
Socorreu a Terra:
– Só há uma maneira de quebrar a maldição:
A filha se nutrir de quem a gerou.
Cobra sempre cobra,
Serpente cada vez mais serpente
– por seis gerações -,
Até que a astúcia,
que foi usada impropriamente,
Se purifique em si mesma.
Tomai e comei:
Este é o meu corpo,
A única chance de seguir,
A única chance de retorno.
Trazer para dentro de si
Tudo o que se corporificou –
O amor que se entrega,
A crueldade de ser de novo
Quem te gerou,
A viagem para o tão longe,
O corpo transformado em corpo,
O amor em dor
– para que esta aprenda
que tudo ainda –
E o absoluto – É.
Lu Lessa Ventarola (Minas Gerais, Brasil). Formou-se em Direito pela UFJF e em Artes pela Escola de Artes Visuais do Rio, o Parque Lage (EAV). Fundou o MAP – Movimento Armado de Poesia, e por ele faz oficinas em escolas públicas e intervenções urbanas. Apresentou em outubro de 2017 a exposição “Destino:Casa” pelo CCBB no Rio de Janeiro com curadoria de Helio Eichbauer. Assume a direção de arte da Philos #30.