CRISÁLIDA

Um cilindro umbilical, delicado cristal,
Liga-se ao teu abdome por meu abdome.
Nascera como as pedras de areia –
Quando o vento junta um grão ao outro
E eles se desfazem ao toque da criança
Atirando-a para longe dos joelhos.
Aos poucos a tudo drena, dia após dia:
Meu espírito de Ariel, a fertilidade, alegrias.
Por dentro todo o sumo corre pelo
Peciolo, como cocaína, ao teu ventre.
De mim a você, terrível simbiose,
Testando reações como camundongos.
Pelo tubo, digo adeus aos meus deveres
De casa, aos calos que saltaram
Da caligrafia para os dedos,
À lenta parafina que cobria meu fígado;
Digo adeus aos meus olhos que ainda
Se mantém verdes como figos de abril,
Aos espantos com o incômodo de estar vivo
E ainda colar a vida como figurinhas
Que perderam a aderência ao álbum –
E não sabemos quem o pôs em nossas mãos.
E quando o líquido se torna mais escuro
Mais escuro quanto o borrão dos rostos,
Ainda vejo os últimos dedos da transfusão.
Levam, sós, ao teu umbigo a restante fração
De alguma vontade ou resistência.
Nem mesmo ódio mais, amor mais.
Até que vejo a mão sem luz;
A escuridão puxa a cauda do líquido solar,
Deseja se desprender para seguir o fluxo –
como fiapos de cola que se agarram aos dedos.
O momento que a areia deseja tornar-se cimento,
As estátuas vivas.
Então amputo com violência o tubo
E agora não há o que fazer com a borra,
Produto restante em meu corpo.
Não serve ao menos para ler o futuro.
Não há o que fazer com o que não levaste –
Como um homem sedento não ingere o copo
Ao terminar com o canudo.
Não há o que fazer com o que não lhe dei –
De maneira a não morrer na praia.
Os tubos se afastam como duas naves –
Que no balão do universo, por ilusão de ótica,
Parecem locomoverem-se como protozoários.
Mas estão a toda velocidade, mais distante agora.
E o primeiro homem que pisar em ambas
As terras segregadas, lá fincará uma bandeira
Que diz – A traição do pecado só não é aceita,
Pois não fomos nós os cúmplices


Felipe Ribeiro é um escritor e cronista carioca de 25 anos e estudante de Letras na UFRJ. Desde a infância possui afinidades com a literatura. Decidiu seguir na carreira após as Manifestações de Junho onde, pouco tempo depois, publicou seu primeiro livro “Amargo Embargo com tiragens esgotadas. Quatro anos depois, pela Editora Cândido, lança seu segundo trabalho “Tijolos de Silêncio”, que utiliza uma construção delicada e crítica acerca da contemporaneidade e dos muros que construímos ao nosso redor. Dividindo o livro como em etapas de uma construção (Entulho, Canteiro de Obras e Edifício), o livro aborda diferenças sociais, solidão, amor, com uma poesia bem elaborada e sensível. “Tijolos” teve uma boa receptividade crítica, com lançamentos em RJ, MG e SP. Também foi indicado ao listão de melhores livros de poesia da Revista Quatro-Cinco-Um. Possui poemas publicados em diversas revistas literárias e antologias. Felipe só vai parar de escrever quando morrer e escreve para se manter vivo.

Publicado por:Philos

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